Quem lembra de quando era criança e saía com a mãe para o centro da cidade? Ao olhar na vitrine algo que você queria, você pedia, insistentemente, para ela comprar aquilo, e ela lhe dizia: "na volta, a gente compra" e essa volta nunca acontecia. O tempo passou e você cresceu. Hoje, você entende que ela não comprava, ou porque não podia, ou porque não queria, mas falava para se livrar do seu insistente pedido. Pois é. É isso que está acontecendo com o povo do Amapá há quase cinco décadas quando o assunto é a exploração do petróleo e gás, na região. Com certeza, pessoas que já não estão entre nós e que souberam do nosso potencial naquela época, também insistiram e não foram ouvidas. Talvez, de uns anos para cá, quem está vivo ainda, ouviu: "na volta", "depois", "um dia".
Mas essa "criança" Amapá cresceu, está amadurecendo e a paciência se esgotou. O povo que aqui vive já entendeu que essa história de depois, pode levar mais cinco décadas e até lá, muitos filhos do Amapá estarão mortos pela falta de saúde, de saneamento básico, de educação, de segurança, de oportunidade de emprego e renda, pela falta de fomento à ciência e à tecnologia. Outros, estarão no Sul construindo suas histórias em outro lugar do Brasil e até do mundo, como já é realidade, agora.
Mas será que, no caso do Brasil, essa mãe, que são os governos dos últimos cinquenta anos, não deu o que precisamos por que não tinha? Ou por que não queria? Nessa altura do campeonato, posso afirmar que é porque não queria e também não quer agora. Porém, ainda nos olha como se fôssemos criança, e diz: "Nós queremos sim. Nós vamos sim". E só quem insiste em se manter criança que acredita.
Como pode um governo impedir o desenvolvimento do seu povo? Não explorar sua própria riqueza para dar a si mesmo dignidade e prosperidade? Como pode escolher se autodestruir ao invés de crescer? Pode. Pois interesses particulares sempre estão acima de interesses coletivos.
Eu me coloquei nessa briga pelo petróleo porque constatei nas ruas da cidade, durante a campanha municipal, que um povo sem renda, não tem, e nunca terá, um voto livre. E aqui, 81% da população depende de benefícios sociais.
Nem que as urnas fossem 100% confiáveis, teríamos como escolher representantes por confiarmos neles. Sem liberdade econômica, é impossível liberdade política e o ciclo vicioso e maléfico se perpetua do mesmo jeito que a voz da mãe ecoa. A volta nunca chegou para nós!
E agora, dizem que é unanimidade. Que agora vai. Será? Eu só confio na força da vontade popular, na mobilização da sociedade civil organizada que toma para si a responsabilidade de informar todo mundo sobre o que nos está sendo negado e o que podemos nos tornar, se isso nos for permitido. Quando tiverem a dimensão do que a exploração do petróleo e gás na Margem Equatorial vai proporcionar para suas vidas, direta e indiretamente, talvez saiam da inocência infantil e de uma ignorância, muitas vezes até cognitiva, devido a falta de acesso à educação de qualidade, e resolvam se unir aos "adultos" que decidiram crescer e assumir as suas responsabilidades individuais pelo interesse coletivo.
Aquilo que não vemos na classe política local, podemos fazer, se estivermos organizados, conscientes dos desafios e com coragem para enfrentá-los. A Deputada Federal pelo Amapá, Sílvia Waiãpi, tem uma frase que faz todo sentido neste momento, e daqui pra frente, se quisermos realmente o Amapá desenvolvido e o seu povo com dignidade: "Cada um de nós somos o herói que o Amapá precisa e procura".
Chega de criar expectativas na "mãe" representada aqui por governos que não se importam com as reais necessidades do povo e que, há décadas, sabem do potencial do Amapá, mas nada fazem para que essa riqueza se transforme em qualidade de vida para quem aqui mora.
O voto de cabresto tão comum por essas bandas, só existe por causa da falta de oportunidade de trabalho desvinculada da classe política. Somente a iniciativa privada, a industrialização, a mineração, o agro, a exploração do petróleo, podem libertar o povo disso. A autonomia e o empoderamento de um povo em ter condições de colocar comida na mesa sem precisar eleger seus algozes, jamais serão dados por estes - precisam ser conquistados. É algo que o povo tem que chegar e tomar posse.
Esperar colaboração e apoio dos politicos que foram contra o marco do saneamento, que nunca se importaram com a saúde no Estado, e que nem mesmo asfaltaram a estrada para o Oiapoque, apesar de estarem no poder nos últimos 30 anos, é se tornar um débil adulto que ainda acredita que "na volta, a gente compra".
A classe política está muito interessada nos ganhos pessoais financeiros que essa exploração trará para os seus bolsos, já que eles são donos, diretamente ou indiretamente, através de seus laranjais, de, praticamente, todos os grandes empreendimentos aqui.
Mas eles não querem perder o poder, o mandato. E sabem que, se o povo se desenvolver em todos os sentidos através do crescimento social e econômico que virá, eles nunca mais se elegem a nada. E para essa gente, só o dinheiro não é suficiente. O poder se torna o osso mais gostoso de roer e do qual eles jamais vão querer abrir mão.
Portanto, eles precisam ser cobrados e vigiados pelo povo. Não é simplesmente dizer "eu sou a favor", é provar com ações. É pressionar o Governo Federal, e também preparar a infraestrutura e a população para esse crescimento. Há outros Estados lutando pelos interesses do seu povo. E, historicamente, os políticos do Amapá não fazem isso. Se fizessem, não estaríamos no atraso em que estamos, mesmo pisando num dos solos mais ricos e cobiçados do planeta.
Há exceções que nos enchem de esperança. Mas a nossa cobrança tem que ser em cima de toda a bancada estadual e federal. Muitos dirão que "na volta comprarão" mas cabe a cada um de nós avançarmos sem eles, informando a população, estudando, preparando a juventude e convocando o Brasil para essa luta que vai alavancar também a economia da nação.
Somos um gigante, e rico pela própria natureza. Temos uma "vitrine" pronta para ser acessada. Hoje, não somos mais crianças para acreditar que vai existir a volta. O tempo é agora. O povo do Amapá clama e não pode mais esperar.
O petróleo é nosso, e cabe a cada um de nós colocarmos as mãos nele através de uma luta inteligente, consciente, conjunta que vai garantir para nossos filhos e netos a prosperidade que nos foi negada durante quase cinquenta anos.
Adriana Garcia
Jornalista na Amazônia
Jornalismo como deve ser