As armas letais usadas na tentativa de golpe: Bíblia, Batom e Algodão doce
Tudo começou com um vendedor de algodão doce. Ops, não, não. Começou com uma Bíblia. Afinal, ela virou arma de guerra — literalmente — já que o slogan do tal golpe era “Deus acima de todos”. Mas, pensando bem, talvez a arma mais letal tenha sido mesmo o batom da Débora.
O inusitado é que os golpistas contrataram ninguém menos que G. Dias, o general que chefiava a ABIN no governo Lula, para, adivinhem? Servir água mineral durante toda a execução do golpe e a derrubada da democracia. Um golpe hidratado, civilizado. Também foi curioso o ministro da Justiça do Lula, Flávio Dino, assistir de camarote o atentado que poderia ter sido fatal. Mas tudo bem, ele estava atento, talvez como quem assiste a um filme no cinema, com direito a pipoca e guaraná.
Ah, e teve a viagem às pressas do Lula para Araraquara, para fazer o que ele quase nunca faz: visitar pessoalmente os estragos causados por fortes chuvas. E, olha só, foi rapidíssima a decretação da intervenção federal no DF. Eficiência é isso aí!
Enquanto isso, muitas pessoas que estavam na frente dos QGs — e que não tinham participado nem com batom, nem com algodão doce do suposto golpe — foram levadas para um lugar sem comida, sem estrutura, sem nada. Depois, foram transferidas para penitenciárias. Lá, já havia colchões extras, comprados com antecedência. Alguém teve uma premonição de que vender algodão doce ou balançar uma bandeira do Brasil poderia se tornar um crime bárbaro. Tão bárbaro que não haveria onde dormir de tanta gente sendo presa.
Na TV, horas e mais horas de cobertura no Fantástico. O sujeito que quebrou o relógio fez uma performance digna de contrato com a Globo. No mesmo dia, deputados, senadores e ministros do atual governo já estavam no local, com um entusiasmo que não parecia de quem tinha acabado de presenciar um atentado contra a democracia. Mas esse povo é assim. Eles conseguem se alegrar com cada coisa…
A democracia virou museu. Literalmente. Não é meme. Conseguiram transformar o tal “ataque ao estado democrático de direito” em um espetáculo 24h no ar. Tudo tão ensaiado que até hoje se fala no “golpe” com uma naturalidade impressionante. Parece mantra. Lembrei do Ciro Gomes, que fez uma live ensinando a militância a repetir todos os dias: “Bolsonaro genocida, Bolsonaro genocida”. Método é método — e parece que funcionou.
Mas... onde mesmo esse golpe foi planejado? Disseram que foi em dezembro. Que generais ligados a Bolsonaro estavam tramando tudo e só não mataram o Alexandre de Moraes porque, pasmem, perderam o táxi. É sério. Está nos autos — ou nas manchetes, vai saber. Confusa? Claro, até os advogados não têm acesso aos autos! Mais uma entre as muitas estranhezas desse golpe sui generis.
Mas calma, o presidente Lula garantiu: todos terão amplo direito de defesa. Ufa! Só que o Clezão morreu preso, mesmo com recomendação médica para ficar em casa. Mas ele não era a Marielle, então... ninguém se importou. Aliás, sobre Marielle: quem mandou matar foi alguém do próprio PT. E agora o “Marielle presente” ficou meio sem função. Se não foi Bolsonaro, e sim um companheiro, melhor abafar o caso.
E aqui estou eu, me empolgando com outros assuntos. Voltemos ao golpe, porque é coisa séria. Muito séria. Afinal, “estado democrático de direito” é uma expressão repetida tantas vezes que ninguém mais sabe ao certo o que significa. O livro 1984 já explicava isso: uma linguagem vazia serve para encher de qualquer sentido conveniente. E é exatamente isso que estão fazendo. A palavra “democracia” é hoje sinônimo de censura, prisão, tortura — até morte de opositores. Mas fiquem tranquilos, Moraes salvou a democracia. Ufa, de novo.
Depois que generais perdem um táxi, tudo pode acontecer. Até o Filipe Martins ser preso por uma viagem que nunca fez — e que, se tivesse feito, também não seria crime. Mas esqueça o Código Penal e a Constituição Federal: nessa fase do reality show, a lei é uma pessoa. E o que passa na cabeça careca dela vira sentença.
Não queria estar na pele dos advogados vítimas desse teatro. As manchetes e os discursos na TV estatal mais parece conversa de bêbado: sem nexo e repetitiva. Mas as fontes são “confiáveis”. Daniela Lima que o diga — recebe mensagens ao vivo de ministros do STF no WhatsApp. Vai ter sorte assim na China!
Mas enfim, deixando de lado as ironias (ou não), também não falarei da delação do Cid. Afinal, tortura virou protocolo na nova democracia. Vamos ao grande dia: o dia do “toc toc” na porta e da prisão do Bolsonaro com tornozeleira eletrônica.
Como não há provas sólidas do envolvimento dele no golpe — já que ele sequer estava no Brasil —, surgiu a prova cabal: um pendrive no banheiro. Agora vai! Depois de tanta inconsistência, a PF finalmente dá à luz um pendrive sanitário! Convenhamos, o Moraes pode ser implacável, mas não podemos negar uma criatividade!
O conteúdo do pendrive pode render ao Bolsonaro mais anos de cadeia que Sérgio Cabral, que segue livre, leve e solto. E assim, de minuta em minuta, de delação em delação, de kits pretos em kids pretos, vamos nos afundando num regime que já é considerado uma ditadura por observadores internacionais.
No fim, quem quase acabou com a democracia não foram os “terroristas do 8 de janeiro” com suas armas letais (bandeiras, batons e algodão doce), mas os que decretaram suas condenações com uma caneta. Agora resta aguardar até quando as esquisitices continuarão nesse regime que insiste em se chamar democracia.
Democracia, hoje, é um mantra. Um mantra que justifica censura, prisão sem provas, morte de opositores e todo tipo de desmando. E o Brasil, esse gigante, parece cada vez mais perto de tropeçar nos próprios pés e cair de vez.
Adriana Garcia
Jornalista na Amazônia
www.palavrasdeadrianagarcia.com
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