
Beto Louco afirma em delação que deu 2,5 millhões para pagar show de Roberto Carlos no final de 2024 a pedido de Alcolumbre.
A revista Piauí publicou uma reportagem que lança sérias suspeitas sobre o senador do Amapá, Davi Alcolumbre, a partir do conteúdo de uma delação feita por Beto Louco, apontado como operador do PCC no setor de combustíveis. A delação integra investigações que apuram fraudes bilionárias no mercado de combustíveis no país.
O show milionário no Réveillon de Macapá
Segundo a reportagem, Beto Louco afirma ter pago R$ 2,5 milhões para viabilizar o show de Roberto Carlos, realizado em 28 de dezembro de 2024, em Macapá. O evento, cujo tema era “Eu ofereço flores pra você”, marcou a abertura oficial das programações de Réveillon promovidas pelo Governo do Estado do Amapá.
A reunião no gabinete e a decisão da ANP
De acordo com o delator, as tratativas ocorreram pessoalmente no dia 20 de dezembro, no gabinete do senador Davi Alcolumbre, em Brasília. O objetivo de Beto Louco ao procurar o senador era reverter uma decisão da Agência Nacional do Petróleo (ANP), que havia proibido a empresa Copape de produzir combustível.
Na delação, Beto Louco relata ter sugerido que Alcolumbre utilizasse a sabatina de dois indicados à ANP, naquele período, para exercer influência política e tentar reverter a decisão da agência. Ainda segundo o empresário, o senador teria se mostrado aberto a ajudar.
O “problema” do patrocínio do show
Durante a conversa, outro assunto teria surgido: a desistência de um patrocinador do show de Roberto Carlos, o que teria deixado uma lacuna financeira exatamente no valor de R$ 2,5 milhões — custo já comprometido para um evento que havia sido amplamente anunciado.
Segundo a delação, Beto Louco concordou em cobrir esse valor. A pedido do senador, a transferência deveria ser feita em nome de um contato identificado como Kleryston.
As contas bancárias e os depósitos
Conforme documentos apresentados à Procuradoria-Geral da República (PGR), o contato indicado pelo senador enviou os dados de duas contas bancárias para a realização de dois depósitos, cada um no valor de R$ 1,25 milhão:
- uma conta da CINQ Capital Instituição de Pagamentos, no Banco do Brasil;
- outra da QIX Transportes Logística Ltda, no Sicredi.
Na véspera do show, a transferência foi realizada por uma empresa ligada a Beto Louco e ao seu sócio, Mohamad Hussein Mourad.

Print de vídeo publicado nas redes sociais onde Kleryston está numa chácara na beira do Rio, junto com o senador Alcolumbre.
Quem é Kleryston
A revista Piauí apurou que o contato citado trata-se de Kleryston Pontes Silveira, empresário do ramo musical de Fortaleza, que trabalha com artistas como Xand Avião, Zé Vaqueiro, Nattan e Mari Fernandez. Roberto Carlos não integra seu casting.
Nos documentos da delação em posse da PGR, há ainda uma mensagem de texto atribuída a Alcolumbre agradecendo os depósitos realizados em duas parcelas de R$ 1,25 milhão, com a frase: “Tamo junto sempre!”.
As negativas oficiais
Após a publicação da matéria, o senador Davi Alcolumbre, por meio de sua assessoria, negou qualquer vínculo com os citados.
Kleryston afirmou conhecer o senador apenas profissionalmente, em razão da realização de shows de seus artistas no Amapá, mas não respondeu quando questionado se havia repassado seus dados bancários a Beto Louco.
Delação rejeitada
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, que foi sabatinado no Senado sob a presidência de Alcolumbre, rejeitou a proposta de delação premiada apresentada por Beto Louco e por seu sócio.
Viagens, despesas e o caso Mounjaro
Beto Louco também declarou que suas idas a Brasília se intensificaram em 2024, após o fim de julho, quando a ANP proibiu a Copape de atuar na produção de combustíveis. Para tentar reverter a decisão, ele e Mohamad Mourad passaram a viajar com frequência à capital federal, acionando contatos antigos e novos.
Em troca, afirmam ter bancado demandas pessoais e despesas de autoridades do Congresso. Entre elas, R$ 150 mil em canetas do medicamento Mounjaro, utilizado para controle de diabetes e perda de peso, que teriam sido entregues a Alcolumbre poucos dias após a decisão da ANP — informação revelada pelo portal UOL.
Coincidências que se repetem
Pode ser apenas coincidência — ou uma sorte improvável —, mas o fato é que Kleryston agencia exatamente os artistas que se apresentaram no Amapá tanto no Réveillon quanto na Expofeira. Nesta última, o empresário e alguns de seus artistas, como Tirulipa, estiveram em uma espécie de chácara à beira do rio, em clima familiar, ao lado do senador Alcolumbre. Um vídeo do encontro, com direito a açaí, foi divulgado nas redes sociais do artista.
A pergunta que fica
São detalhes. Detalhes aparentemente pequenos. Mas, como na música que inspira o título, há coisas tão grandes que não dá pra esquecer. Ainda assim, mesmo quando lembradas, mencionadas e documentadas, parecem não despertar o interesse de quem deveria investigá-las.
Diante de uma delação rejeitada e de fatos que continuam orbitando o mesmo nome, a pergunta que permanece é: em que se transformou a política brasileira quando criminosos querem delatar e a Justiça não quer investigar? Quando o uso político da justiça serve para encobrir crimes de um lado e forjar crimes de outro? Serve barrar investigações de uns e dar andamento em inquéritos sem pé e nem cabeça para tornar inelegíveis e colocar na prisão outros?
Adriana Garcia
Jornalista na Amazônia
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