Quebrantamento e arrependimento, com novas e responsáveis escolhas podem mudar o cenário do Brasil
Se o brasileiro for minimamente honesto e deixar de lado ideologias e paixões partidárias, reconhecerá que o país está fora dos trilhos — não apenas do ponto de vista jurídico, mas também econômico e moral. Sofremos de uma espécie de “síndrome de Adão”, sempre atribuindo a culpa ao outro. Mas é hora de uma análise fria e responsável da trajetória nacional, pelo menos nas últimas duas décadas, tempo em que a internet nos deu acesso amplo à informação — e a ignorância deixou de ser desculpa.
Somos donos de um patrimônio incalculável, mas vivemos como miseráveis por conta da nossa ignorância, inércia e descompromisso com as causas realmente relevantes. Por anos, o brasileiro anestesiou-se com novelas, futebol e carnaval, enquanto o país afundava num sistema que corrompia silenciosamente seus pilares.
Olhamos hoje para o Supremo Tribunal Federal e vemos 11 “ministres” — que chegaram lá após uma sabatina no Senado, sendo aprovados por senadores eleitos pelo nosso voto. Portanto, dizer que “ninguém votou neles” é meia verdade. Indiretamente, cada ministro foi nomeado por um presidente da República e validado por parlamentares que nós elegemos. Antes de apontar o dedo para o presidente que indicou “o amigo do amigo do meu pai”, o ex-advogado do MST, do PCC ou o “companheiro terrivelmente comunista”, é necessário relembrar em quem você votou para o Senado e para a Presidência.
Dizemos que o STF é um órgão judicial. Mas será mesmo? Muitos ministros jamais foram juízes de primeira instância. São “ministres”, uma anomalia institucional que permite quem nunca sentenciou um caso anular decisões de juízes de carreira com uma autoridade suprema. Usando uma linguagem que está na moda, são como “transministros” — não são juízes, mas se sentem e se impõem como se fossem os mais supremos de todos, obrigando todos a tratá-los como tal.
Retomemos o ponto: a responsabilidade do voto. Anular, votar em branco ou abster-se também é uma forma de conivência passiva. Você lembra em quem votou para o Senado nas últimas eleições? Eu, por exemplo, em 2018, votei no Lucas Barreto porque não queria os Capiberibe e votei no Randolfe por não compreender bem a diferença entre direita e esquerda — achava que sua atuação ruidosa era sinônimo de competência e, na época, ele defendia a Lava-jato e criticava o PT, postura que abandonou após garantir mais 8 anos de mandato. Um erro que contribuiu para a sabotagem do governo Bolsonaro, já que Randolfe era um dos mais ativos em provocar o STF contra o Executivo. Assim, quando votamos em quem combate aquilo que defendemos, tornamo-nos cúmplices da nossa própria desgraça.
Como desejar um STF apolítico se ele é composto por escolhas políticas? Como esperar que políticos, julgados por ministros da Corte, votem pelo impeachment de um deles? O sistema foi montado para funcionar exatamente assim — e hoje assistimos, de mãos atadas, a um país governado por decisões monocráticas. Ainda há quem defenda que vivemos numa democracia?
A tal “democracia brasileira” é uma miragem, com tantos filtros que apenas a ditadura sobra. É como visitar uma casa com um pitbull solto, onde o dono diz que ele “não morde” — e aceitamos o risco, apesar do perigo evidente. No Brasil de hoje, os ministros da Suprema Corte atuam como advogados de defesa de criminosos e de acusação das vítimas, enquanto a democracia segue “inabalada”... como peça de museu. E, como qualquer relíquia, só restam lembranças de quando existiu.
Os ditadores modernos dizem que está tudo bem, que a democracia está plena, que você pode continuar andando perto do "pitbull" solto e o melhor conselho é não demonstrar medo, senão ele avança e a culpa será sua.
O sistema é traiçoeiro. Para ser candidato, é preciso filiar-se a um partido. Os partidos são desiguais, e dentro deles, os candidatos também. Assim, já se exclui quem não tem dinheiro ou apoio do cacique partidário — esse, sim, sem voto popular, define grande parte do pleito. Soma-se a isso o uso das urnas eletrônicas — que só existem como estão no Brasil — e a negação do voto impresso, mesmo com o Congresso aprovando-o. Um único ministro do STF conseguiu invalidar essa decisão popular numa reunião política com líderes partidários. Como o Brasil é o país das coincidências, é o mesmo ministro que disse que eleição não se ganha, se toma. Também foi ele que, em um evento da UNE, discursou dizendo "nós derrotamos o Bolsonarismo".
Vivemos sob uma justiça eleitoral partidarizada, desenhada para garantir a perpetuação de uma única vertente ideológica no poder. Apesar de tudo isso, alguns ainda acreditam na democracia. Mas que democracia é essa, quando há compra de votos, acordos escusos e quem paga a conta é o povo? Enquanto o poder é negociado em valores cujo céu é o limite, o povo brasileiro não consegue alcançar nem o piso da dignidade.
Chamar as eleições de “festa da cidadania” é zombar do cidadão. É teatro — onde o voto é figurativo e as cartas já estão marcadas. Nem sabemos quando começamos a ser enganados. Quando se anistia terroristas, assaltantes de banco, comunistas armados — e eles voltam ao poder “pelo voto” — estamos como uma mulher que casa com o ex que tentou matá-la. Só que ele voltou não para pedir perdão, mas para concluir o serviço com mais fúria.
Como romper esse casamento perigoso se temos uma falsa democracia e uma justiça viciada? Como evitar o desfecho trágico? O que vemos é um governo que, ao ser rejeitado, decide vender o país a qualquer preço — e hoje nem dá mais para dizer “a preço de banana”, pois nem isso está barato. O governo banca propaganda enganosa, políticas populistas inviáveis, favorece bancos à custa do endividamento do povo, empobrece a classe média, destrói empresas e concede monopólios a aliados para manter-se no poder.
Trata-se de um ciclo de abuso — como no feminicídio. Se o Brasil não for “dele”, então não será de mais ninguém. É a destruição de uma nação em curso, onde o país está sendo entregue a interesses estrangeiros para que, se a oposição assumir o poder, não haja mais nada a governar.
Agora, seja honesto. Ligando os pontos: de quem é a culpa da atual situação? Olhe-se ao espelho. Reflita sobre o seu voto ao longo da vida. Qual foi a sua motivação? Hoje, muitos brasileiros estão nas mãos dos parlamentares que elegeram, e esses parlamentares, por sua vez, estão nas mãos de “ministres”. Essa cadeia de dependências está levando o país ao abismo. Se o leitor é ou foi um agente público eletivo, que tipo de brasileiro você foi ou tem sido? Quais os interesses foram ou têm sido priorizados por você na sua atuação pública muito bem remunerada pelo povo que você prometeu representar?
Talvez não saibamos o preço exato a pagar para mudar isso, mas sabemos que permanecer neste rumo custará muito mais. Precisamos romper com a iniquidade que contamina os tribunais, o legislativo e o executivo em todos os níveis. Ou lutamos agora — mesmo com armas desiguais, mas munidos da verdade e do amor à pátria — ou deixaremos para os nossos netos um país arrasado, saqueado e falido pela nossa omissão presente.
As eleições de 2026 não serão apenas a escolha de novos representantes. Serão a nossa digital e a assinatura do tipo de país que queremos deixar como legado.
Adriana Garcia
Jornalista na Amazônia
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