O jornalismo está de luto pelo jornalista J. R. Guzzo que partiu, deixando-nos, literalmente, sem palavras. Uma voz lúcida silenciou.
Acordamos neste sábado (02), com uma notícia que, inevitavelmente, um dia virá para todos nós. Mas há pessoas que se eternizam de tal forma, que a partida parece irreal. É raro encontrar gênios que surgem em momentos pontuais da história, e o jornalista J.R. Guzzo foi um deles. Ele honrou a profissão como poucos. Seus textos atravessaram gerações e, mesmo agora que sua voz se cala, continuarão tocando leitores, até aqueles que jamais tenham a chance de vê-lo. Guzzo foi a prova viva de que palavras bem usadas libertam, conscientizam, transformam.
Jesus é o verbo, e todos aqueles que ousam verbalizar a verdade carregam a essência do Filho de Deus. Ser apaixonado por palavras num país de tão pouca leitura pode parecer loucura, mas Guzzo escolheu seguir sendo “louco” até o fim.
Hoje, muitas palavras parecem desaparecer. Hoje, estamos literalmente sem palavras. O que nos resta é o legado de alguém que não poupou sua voz para informar uma nação e registrar a verdadeira história. Partiu mais que um homem, um pai, um filho, um irmão, um amigo, um patrão. Partiu uma mensagem, uma voz cujo silêncio não será preenchido por ninguém.
Um bom jornalista não é aquele que vira notícia em vida, nem aquele que se sobrepõe ao texto que escreve ou lê na frente de uma câmera. A discrição é parte do ofício, pois reverenciamos a mensagem que está acima do mensageiro. Os aplausos nunca devem ser mais importantes que ver leitores e espectadores emergirem da ignorância. Não devemos exagerar nos adereços, nem nos confundir com artistas. Nossa imagem deve transmitir credibilidade, a marca de quem labutou em busca do fato para reportá-lo com o máximo de precisão. Nossa opinião deve ser costurada em parágrafos cheios de lucidez e respeito, sem jamais subestimar a inteligência de quem nos lê. E, num momento em que tanto precisamos disso, uma voz se vai, milhares de textos deixam de ser escritos, e lampejos de verdades bem embaladas se apagam.
Se você nunca leu um texto de J.R. Guzzo, talvez nunca tenha experimentado um jornalismo verdadeiramente relevante. Mas eu arrisco dizer que todo brasileiro já leu pelo menos um dos seus escritos – ele era tão bom, que muitos se encantaram pelo conteúdo sem notar quem o produzia. Os grandes caminham assim: cumprem sua missão, mesmo sem serem notados. Deixam um legado, ainda que só se tornem notícia quando partem. Essa é a essência do jornalismo onde palavras são flechas lançadas com responsabilidade, e a consciência tranquila de registrar a história se encarrega de deixar um rastro de verdade para as próximas gerações.
Contemporâneo de Augusto Nunes, Guzzo foi um dos fundadores da Revista Oeste. 62 anos exercendo o jornalismo.
Hoje, o verdadeiro jornalismo – aquele que poucos de fato conhecem – está de luto. Não apenas porque um jornalista morreu, mas porque se vai um olhar raro e necessário, uma forma única de interpretar e descrever o mundo. Vai-se a criatividade, a ironia, a habilidade de brincar com as palavras até que cada uma encontre seu contorno exato e cumpra seu propósito de informar, iluminar, libertar.
Que os bons jornalistas que ficam possam reportar as boas notícias que ele tanto sonhou ver se tornarem realidade. E que o Brasil, que um dia o consagrou como o melhor jornalista pela liberdade com que se expressava, reencontre o caminho dessa mesma liberdade, para que novos J.R. Guzzos surjam, continuem contando a história e deixem rastros de verdade que transcendam nossa existência.
Que o mundo conheça não apenas os seus escritos, mas também aqueles que têm coragem de fazer jornalismo como o seu. Pois o time – que já era pequeno – hoje está menor sem sua gigantesca contribuição. Mas diante da escassez de um jornalismo verdadeiro, quero crer que J.R. Guzzo foi semente, e que, morrendo, ainda dará muitos frutos.
Adriana Garcia
Jornalista