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Num estado em que é comum a compra e venda de votos, as negociações pelo poder já começaram.

Em 2024, cometi a audácia de acreditar que poderia vencer uma eleição para vereadora sem dinheiro. Acreditei que seria escolhida com base em outros critérios, aqueles que considero prioridade para a população local. Mas estava redondamente enganada. Com apenas 369 votos — nenhum deles comprado, dos quais me orgulho imensamente — transformei a derrota em aprendizado. E sigo aprendendo.

Essa experiência foi tão marcante que se transformou num livro: A Campanha Inesquecível, inspirado no meu slogan: “A Vereadora Inesquecível”. Muitas pessoas me perguntam se vou concorrer em 2026, e respondo que não — com o mesmo sentimento de uma mulher que acaba de sair de uma gravidez de risco e jura nunca mais querer outro filho. Acredito que o país precisa não só de bons políticos, mas também de bons jornalistas. Por isso, a meta agora é ser “A Jornalista Inesquecível” (rs).

Entre os muitos ensinamentos, percebi que, mesmo sem ganhar, meus votos foram o dobro dos conquistados por candidatos que dizem que gastaram entre 300 e 500 mil reais em suas campanhas. Se isso serve de consolo, estou consolada. O mais preocupante é perceber que é o dinheiro, e não os valores, os projetos ou a qualidade dos candidatos, que define o futuro do país.

Depois da eleição, em conversa com alguém do meio político, duas revelações marcaram minha vida. A primeira foi a afirmação de que eu tinha mais credibilidade que muitos dos eleitos — inclusive aqueles que precisaram comprar votos até dentro da própria família. Aquilo me empoderou. Decidi usar minha credibilidade de outra forma, no jornalismo. Ao mesmo tempo, fiquei profundamente entristecida ao perceber que cargos legislativos estão sendo ocupados por quem comprou mandatos, e não por quem foi escolhido com base em mérito.

Essa mesma pessoa me disse que aquela foi a eleição municipal mais cara da história recente. O voto para vereador chegou a custar R$ 400 — mais do que custava um voto para deputado, no passado. Fiquei pasma ao constatar que o “mercado do poder” tem até tabela de preços, mas aparentemente, não tem teto. O céu é o limite. E a pergunta inevitável é: até onde isso vai? Onde vamos parar? Quanto custará uma cadeira na Câmara dos Deputados? E na Assembleia Legislativa?

Com o jogo das emendas parlamentares, acordos e articulações, o voto tende a ficar cada vez mais superfaturado. Quem quiser entrar para a política terá que preparar-se financeiramente como quem se prepara para um investimento de alto risco, esperando retorno garantido.

Nessa lógica perversa, onde está a democracia? O que temos é um verdadeiro balcão de negócios, que se retroalimenta a cada eleição. Não importa ideologia, projeto ou preparo. Importa quem paga mais. Alguns estudiosos desse fenômeno afirmam que o importante não é apenas “quem paga mais”, mas sim “quem paga por último”. É por isso que muitos deixam para comprar votos na última semana ou até no próprio dia da eleição. A memória do eleitor é curta — e ele não esquece quem o pagou por último. Também não cobra depois, afinal, já foi “pago”.

E assim seguimos, num sistema sem representatividade real, sustentado por uma cultura que torna o país inviável. Há relatos de candidatos dispostos a gastar 100 milhões para chegar ao Senado. Depois de “investir” essa fortuna, o que irão fazer? Legislar é que não será. Continuarão negociando, enquanto os interesses da nação continuam a ser apenas parte do discurso de uma campanha milionária.

No Amapá, com a iminente chegada da indústria do petróleo e os esperados royalties, quem já detém o cofre vai apostar tudo. Os preços para se eleger devem atingir níveis estratosféricos. Afinal, o retorno será garantido — e muito lucrativo.

Nessa equação, as necessidades do povo amapaense simplesmente não entram. Nem as leis que poderiam melhorar a vida de todos são consideradas. Quando uma política beneficia apenas um grupo restrito, ela se torna parte de um negócio criminoso que está destruindo o país.

O legislativo de 2026 pode estar sendo decidido agora, em balcões de negócios, em conversas às escuras, em encontros não oficiais, entre quem paga mais — seja para ele conseguir entrar, seja para o outro desistir da candidatura. Não podemos ignorar o que já aconteceu no Brasil em 2018 ou recentemente na Colômbia. Tudo é justificado em nome de uma “defesa da democracia” que, na verdade, só protege os bolsos de quem negocia e não pensa duas vezes se tiver que exterminar a concorrência.

Para os pobres, a campanha política é o único momento em que o político lhes dá alguma coisa. Não receber significa continuar a viver no abandono. Já para os donos do balcão de negócios, a campanha é uma loteria com números previamente conhecidos e ganhadores previamente definidos. Uns enriquecem do nada, outros empobrecem, do nada! Esse é um jogo insustentável — que condena o país a nunca experimentar uma democracia real.

O custo dessa prática normalizada é altíssimo. Enquanto a política for movida a dinheiro, o povo jamais terá quem realmente o represente. E se foi o dinheiro que colocou alguém no poder, será o dinheiro que o manterá ali. A sorte está lançada. E o azar do Amapá será insistir nos mesmos erros, nas mesmas fórmulas, nas mesmas escolhas — só porque “sempre foi assim”.

Um estado diferente se constrói com escolhas diferentes. Um cidadão ativo precisa tratar os políticos como seus funcionários temporários — e não como donos de um banco. Essa responsabilidade é de todos. Se quisermos um Amapá verdadeiramente novo, precisamos de novos parâmetros de voto.

O futuro do Amapá não mudará se o poder continuar nas mãos daqueles que sempre o dominaram. É uma obviedade que precisa ser dita. Votar por um pagamento adiantado que jamais cobrirá o que lhe faltará nos próximos quatro anos é um ato de masoquismo cívico.

O Amapá está prestes a viver uma transformação histórica — que independe da política. Mas os benefícios para o povo serão mínimos se ele não souber escolher seus representantes. Há uma frase bíblica que expressa bem a realidade atual: “O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males”. E o amor ao dinheiro no Amapá é, de fato, a raiz de muitos dos nossos problemas. Não é coincidência que nos governos mais corruptos, seja onde mais se reproduz a miséria. A corrupção precisa da miséria para se sustentar.

O grito de liberdade do Amapá é como um cavalo selado: só passa uma vez. E essa oportunidade será em 2026.

Adriana garcia

Jornalista na Amazônia

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