
As péssimas escolhas políticas do povo faz com que seus interesses sejam ignorados nas decisões e ele pague o pato.
Às vésperas de a população do Amapá enfrentar mais um aumento na conta de energia, as discussões nas redes sociais giram em torno de apontar culpados — cada um escolhe o seu. Eu não me proponho a escrever sobre detalhes técnicos desse assunto, mas, como cidadã e consumidora, não posso engolir narrativas rasteiras que tentam se impor neste momento.
Moro no Amapá há mais de 20 anos. A privatização da CEA Amapá ocorreu em 2021, com o leilão vencido pela Equatorial Energia em 25 de junho daquele ano e a assinatura do contrato de concessão em 30 de novembro de 2021, formalizando a transferência do controle societário da empresa para o grupo.
Portanto, a experiência com a CEA privatizada é recente. No entanto, as queixas sobre contas altas são bem antigas — assim como o péssimo serviço prestado ao consumidor. Isso culminou no apagão de 2020, quando a população teve de enfrentar, ao mesmo tempo, a pandemia e uma tragédia que poderia ter sido evitada se a estatal fosse bem administrada e se as precauções necessárias tivessem sido adotadas.
Algo absolutamente inadmissível, cuja responsabilidade recai exclusivamente sobre quem governava o Estado e jamais se preocupou com as condições dos equipamentos e da infraestrutura que deveriam garantir o fornecimento de energia ao povo.
A privatização veio após esse apagão, ainda em pleno período de pandemia, sem qualquer debate público. Considerando os impactos profundos dessa decisão, sua condução poderia — e deveria — ter contado com maior participação popular. A venda por um valor simbólico de R$ 50 milhões, que considero uma mixaria para um setor tão vital, evidencia que se tratava de uma estatal quebrada.
Portanto, caso a CEA tivesse permanecido estatal, é possível que o Estado já não tivesse condições de manter o fornecimento de energia, diante da má gestão e da ausência de recursos para os investimentos necessários. A pergunta “e se não tivesse privatizado?” além de improdutiva, pode nos levar a uma resposta ainda pior do que a realidade que somos obrigados a encarar hoje.
Se a Equatorial comprou uma empresa quebrada, precisava de garantias de retorno. Talvez a cláusula que assegura reajustes de até 32% tenha sido um dos atrativos colocados na mesa para viabilizar a negociação no médio e longo prazo.
Na situação atual, não há como desprivatizar. O contrato foi assinado por representantes eleitos pelo povo. Isso deveria servir de lição aos eleitores: trocar voto por cesta básica, por milheiro de tijolos ou por favores pode custar caro — inclusive uma conta de energia cada vez mais impagável pelo resto da vida.
Se esses representantes não leram o contrato, não avaliaram seus impactos ou fingem surpresa agora, fazendo teatro, gravando vídeos e prometendo soluções impossíveis, não convencerão ninguém de que se importam com a população.
Há políticos que se comportam como criminosos que, após cometerem um homicídio, choram no velório e caminham em passeatas pedindo justiça. Esquecem que os rastros ficam e que, com a internet, quem procura encontra. E descobre que, muitas vezes, quem mais chora é quem foi capaz de matar.
A população do Amapá precisa compreender que, na maioria dos estados, a energia é administrada por empresas privadas. Mesmo onde há estatais, trata-se, em geral, de empresas de economia mista, com capital e gestão privados.
A Equatorial Energia foi a única participante do leilão, arrematando a companhia por valor simbólico (R$ 50 mil) em certame realizado pelo BNDES. A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) assinou o contrato de concessão em 30 de novembro de 2021, oficializando a mudança de controle. A empresa se comprometeu a realizar investimentos e assumir os passivos, buscando melhorar um serviço historicamente marcado por apagões frequentes.
A regulação e a fiscalização de todas as concessionárias — públicas ou privadas — são responsabilidade da ANEEL, órgão federal que concede e fiscaliza os serviços de distribuição de energia no país. O grande problema dos órgãos federais é que seus dirigentes são, em geral, indicações políticas, e não técnicos isentos. As escolhas passam pelo Congresso, por sabatinas e negociações, resultando em acordos e favores. Assim, uma estrutura que deveria ser solução acaba se tornando parte do problema.
Outro ponto fundamental: o valor da conta de energia não é definido pela empresa distribuidora. Quem estabelece a tarifa é a ANEEL. O preço final inclui impostos como ICMS, PIS e COFINS, além das bandeiras tarifárias, acionadas conforme o custo da geração.
A ANEEL define a tarifa considerando:
- custos de geração, transmissão e distribuição;
- encargos setoriais;
- reajustes anuais e revisões periódicas.
A conta de luz é composta por:
- Tarifa de Energia (TE) e Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD);
- impostos;
- bandeiras tarifárias.
A CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) é um fundo setorial que financia políticas públicas, como a Tarifa Social, o programa Luz para Todos, incentivos a fontes renováveis e geração em áreas isoladas. Trata-se de um encargo pago por todos os consumidores.
O centro do problema, portanto, está na ANEEL — que define percentuais e valores — e no Congresso Nacional, que cria as leis.
Hoje, o Amapá enfrenta dois problemas. O primeiro é o contrato de privatização, que permite reajustes de até 32% sobre o valor do consumo, não sobre o valor total da conta. Como cerca de 80% da conta não está relacionada diretamente ao consumo, esse reajuste pesa ainda mais no orçamento.
O segundo problema decorre de uma lei aprovada recentemente no Congresso Nacional. Deputados e senadores do Amapá estavam lá e deveriam ter defendido os interesses da população. Agora, é tarde. Não adianta viajar, bater na mesa ou gravar vídeos inflamados. O momento de impedir a aprovação da lei já passou. Só uma nova votação pode reverter os impactos do aumento da CDE.
Os parlamentares do Estado deveriam ter se unido para pleitear a isenção da CDE para o Amapá, que fornece energia ao país por meio de suas hidrelétricas. Mas isso não ocorreu. A população não foi defendida quando deveria ter sido.
O Amapá concentra alto percentual de beneficiários de programas sociais, e isso pesa na conta de quem não recebe esses benefícios. Estados com maior população e melhor representação política conseguem diluir esses encargos e defender seus interesses.
É ilusório achar que o Sul aceitará arcar com um ônus que deveria ter sido evitado por governantes locais, caso o Estado tivesse desenvolvimento econômico, emprego, renda e arrecadação.
A maioria dos políticos do Amapá vive de buscar benefícios, não de lutar por desenvolvimento. O resultado é um Estado rico, com um povo empurrado deliberadamente para a miséria e a dependência estatal.
Antes de procurar culpados, olhe-se no espelho. Reflita em quem você votou nas últimas décadas. Acompanha o mandato de seus deputados e senadores? Sabe como votaram nessa lei?
A Lei nº 15.269/2025, sancionada em 25 de novembro, instituiu um novo marco regulatório do setor elétrico. Ela garante isenção da CDE para famílias de baixa renda inscritas no CadÚnico, com critérios específicos de renda e consumo. Houve audiência pública virtual sobre a agenda regulatória 2026–2027. Você participou? Seus representantes se manifestaram?
O caso da energia no Amapá é reflexo de anos de negligência e más escolhas. Ser estatal ou privada, neste ponto, pouco muda diante das amarras regulatórias e legais. Até as distribuidoras privadas estão no limite, pois contas impagáveis levam à inadimplência e ao colapso do sistema.
Quando você se perguntar por que um Estado rico em energia paga tão caro por ela, entenda: isso é resultado direto de decisões políticas. E isso deve levá-lo a repensar seu voto e a importância de discutir política diariamente, pois ela interfere em absolutamente tudo na sua vida.
Leia a lei, cobre seus parlamentares e entenda que essa situação não se resolve com viagens a Brasília ou vídeos exaltados. Resolve-se da mesma forma que foi criada: no Congresso Nacional, com representantes comprometidos com o povo do Amapá — e não com omissão, bravatas ou teatro político para criar narrativas.
Adriana Garcia
Jornalista na Amazônia
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