peconha

Cada dia sem a nossa peconha, é um dia de crime cometido contra o povo da Amazônia. E isso não é sobre peconha.

Eu sei que se você não é do Norte, não deve saber o que é peconha. Vou lhe explicar. É um laço de corda ou de pedaço de saco,  em que os trepadores de árvore apoiam os pés de encontro ao caule, para, por este, subirem com a força de suas pernas e braços. Isso é muito comum na Amazônia para extrair o nosso açai de todo dia. Sim, para quem não sabe, esse é um alimento consumido todos os dias, às vezes, no almoço e também no jantar. Não é o sorvete que você toma com leite condensado ou guaraná. Aqui, a gente toma com farinha de mandioca, ou de tapioca, com açucar ou sem ele.  Tem do mais grosso e do mais fino, e combina com peixe, camarão, carne, frango e mortadela. Tirar do povo do Norte o açaí, é tirar-lhe a própria vida. Não se trata de um prato típico, apenas. Trata-se de uma rotina alimentar entranhada de cultura e memória afetiva. É algo que quando não se consome, é como se o dia não tivesse existido.

Mas por que falar em peconha? Esta semana, eu estava entrevistando o experiente empresário da área de Óleo e Gás, Sérgio Williams, sobre as dificuldades impostas pelo IBAMA quanto à permitir que a PETROBRÁS pesquise e explore o petróleo na Margem Equatorial (Veja no link abaixo). E ele, como bom paraense, disse uma sentença (frase que exprime um pensamento) que me impactou e não tem como esquecer: "Imagina você ter um açaizeiro no quintal da sua casa, e o IBAMA vai lá e esconde a peconha e você não pode subir no seu próprio açaizeiro. Você não pode tomar o seu açaí, porque esconderam a peconha. Isso é criminoso! O seu José não pode subir no seu açaizeiro porque tiraram a peconha dele".  Eu complemento: E isso não é sobre peconha e nem açaí.

EMPRESÁRIO FALA SOBRE AS PERSPECTIVAS DA EXPLORAÇÃO DO PETRÓLEO NO AMAPÁ

Essa "sentença" se tornou uma terrível sentença, uma decisão definitiva em desfavor, e em prejuízo, não apenas do seu José que não pode tomar do açaí que dá no seu quintal, mas também de dezenas de gerações que passaram, que estão e que viverão nessa região. A peconha é a licença, é a liberação, é o aval que está custando a sair, por razões completamente absurdas, ilógicas e que não convencem mais ninguém. Desconfiar da PETROBRÁS, que é uma empresa exemplo a ser seguido no mundo e cujas práticas são, comprovadamente, responsáveis em relação ao meio ambiente, não é apenas uma atitude leviana, mas irresponsável e desrespeitosa, que faz sentido apenas para este Órgão, ou seus representantes atuais, que parecem estar a  serviço de alguém ou de alguns, ou, quem sabe, de muitos que não querem devolver ao povo amazônida a sua peconha e querem ver o povo do Norte morrendo sem provar do farto açaí do seu quintal.

O açaí da sentença que me inspirou a escrever este artigo, é o petróleo que está escondido em nosso território, está em nosso quintal, está em nossa casa, sendo impedido de ser explorado e de se transformar em riquezas em todos os aspectos, sem poder ser tocado por seus donos que, de fome agonizam, mesmo com um quintal tão cheio de fartura. Talvez,  petróleo e açai não tenham em comum apenas a cor escura ou suas ricas propriedades. Hoje, o açaí está para o corpo do nortista, como o petróleo está para a alma. O açaí está para a tigela da nossa mesa como o petróleo está para a tigela da saúde, da infraestrutura, da educação, da ciência, da tecnologia, do saneamento básico, da segurança, do transporte, da dignidade humana, da cidadania plena.

O amazônida  ainda conhece bem a tigela do açai cheia, mas a maioria nem sabe o que significa uma "tigela de petróleo". Nunca subiu nessa "árvore" que o mundo cobiça e ele tem, de sobra. Porque não é que a peconha lhe foi tirada, mas é que ela nunca lhe foi dada. Vivemos em meio a uma imensidão de "açaizeiros" e ninguém pode "ter peconha". "Teje preso" todo nortista que for encontrado tentando improvisar uma "peconha" por aí e, afoito, corre para provar do seu próprio açai.

Cada dia que somos impedidos de explorar o que é nosso e transformar isso em riquezas que podemos usufruir, é um crime cometido contra nós, nosso presente e futuro. Talvez, investigando bem o passado, saibamos contra quem estamos lutando, quem criou as leis que nos fazem ser donos de fachada de algo que temos a obrigação de manter para que eles possam provar.

O Norte e, porque não dizer, o Brasil todo, têm sido condenados a nunca poder nada, e têm sido proibidos de descobrir o porquê dessas proibições. Como uma mãe responde a um filho na idade das perguntas, dizem para nós quando fazemos a pergunta incômoda: "por que só nós temos que ficar na miséria, mesmo tendo de tudo. Por que nós não podemos "tomar o açaí do nosso quintal?" E eles respondem, em uníssono: "porque não"! Como crianças carentes de uma resposta mais convincente, dizemos: "porque não, não é resposta. Outras pessoas no mundo inteiro podem tomar do açai dos seus quintais e nós não podemos". E eles, com um tom de voz de uma mãe já impaciente, dizem: "você não é todo mundo".

E assim, a Amazônia foi se acostumando a "não ser todo mundo", a ser a única que não pode tomar do "açaí" do seu próprio quintal. E assim, muitos vão embora para lugares onde isso é permitido e onde tem tudo que aqui não tem, mesmo aqui tendo tanto! E assim, temos tanto e tanto, mas nos falta tudo e tudo, porque nunca tomamos posse da nossa "peconha". Chegou a hora de metermos as mãos nela e nunca mais permitirmos que a tirem de nós. Chegou a hora de criminalizar e punir quem nos impediu de ter acesso a nossa "peconha" sejam os nascidos no Brasil ou/e os que deles se utilizam para nos manterem na miséria sustentável. Chegou a hora de entender que exigir a "peconha" não é crime e que não fazer isso, nos custará perder "todo o acaí".

De verdade, assim como o nortista não consegue sobreviver sem o açai de todos os dias, o Brasil não conseguirá sobreviver sem a sua "peconha". E isso não é sobre açai. É sobre soberania, é sobre ter um futuro de esperança, prosperidade e liberdade que nos foi negado durante 500 anos. Eu vou lutar pela minha "peconha" enquanto ainda há "açai" no meu quintal.

Adriana Garcia

Jornalista na Amazônia

 

CONTRIBUA QRCODE ADRIANA

 

 

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